quinta-feira, 13 de março de 2008

Uma vida de verdade

O que faz uma vida valer a pena? Dizem que é relativo. Do ponto de vista antropológico, é mesmo. Depende de cada contexto social, de cada cultura, dos valores de cada sociedade - embora os valores não sejam homogêneos mesmo dentro de um grupo pequeno, visto que existem questões individuais, de família etc, as seleções de cada um. Tenho um certo apreço pelo jeito dos "culturalistas" encararem os fenômenos sociais, mas acredito em alguns valores universais que seriam constitucionais do ser humano, independentes de questões espaço-temporais.
Tomando nossa sociedade como base, essa cultura "hegemônica" do consumismo... O que faz uma vida valer a pena neste contexto? Dinheiro, status, poder, a "imagem"? É por isto que estamos lutando? Batalhando de sol a sol, dando nossa energia, nossa força, largando horas preciosas de vida, tudo isto para... sermos, ao final da jornada, "bem sucedidos", termos o carro do ano, a casa cheia de eletrodomésticos de última geração? Sua vida se justificaria ao final, tendo chegado a este "topo"? A minha não!
O que então, faria uma vida, no mundo que conhecemos, valer a pena? Mesmo imersa nesta sociedade do consumo, da imagem, do espetáculo, consigo visualizar outros valores, "nortes" que me fazem mais sentido. E sei que não sou a única, não estou descobrindo a roda, tanto que há muita gente trilhando caminhos alternativos por aí. Mas temos que mudar o discurso (pre)dominante, até porque os apelos são muitas vezes irresistíveis, para o mais "bicho-grilo" de todos nós, quanto mais para os reles mortais.
A questão é que é muito difícil renunciar a tudo, ir morar numa cabana e viver da pesca artesanal. O Paulo Zulu fez isto - ele pode se dar a tal luxo - mas abre concessões fazendo um que outro desfile. A idéia de bom senso é esta: não se exclua do sistema, mas não deixe que ele domine sua vida.
O problema é que hoje é difícil achar uma saída que não esteja impregnada dessa lógica perversa. Nem mesmo uma religião dá pra seguir hoje sem que cifrões estejam envolvidos. Por isto acredito que precisamos nos voltar para os tais "valores universais". Acho que basta olharmos um pouquinho para dentro de nós mesmos, sentir... Há quanto tempo não sentimos? Apenas fazemos, autômatos que viramos nessa loucura toda. Aqui dentro tem GENTE, um ser que precisa de tão pouco (e o conceito aqui é relativo) pra ser feliz, pra dar sentido à própria vida. Nada de ir morar no meio do mato ou de virar hippye (se bem que já tive vontade), mas posso abrir mão de muitas coisas para em troca ganhar outras muito mais valiosas, e que soam naturalmente como essenciais. Paz de espírito, entusiasmo, saúde, um trabalho que me realize, família por perto, amigos de verdade, e um amor - que ninguém é de ferro. Para ter isto na vida entrego o carro do ano, a casa charmosa, o vestido da moda. Não pense que não gosto "do que é bom", que adoro uma saidinha regada a bons comes e bebes, uma roupinha nova... Mas sem exageros. É pra ter uma vida de verdade que batalho todos os dias, e nada mais.

terça-feira, 4 de março de 2008

Humano, demasiado humano...

Por que nos preocupamos tanto com o que os outros pensam de nós? Eis uma pergunta que me intriga. Pra começar, quem tem alguma noção da psique humana - mesmo que seja de leitura de almanaque - compreende que "somos" a partir do outro, nos configuramos a partir do que o outro nos diz, de como o outro nos vê. É o famoso "duplo", nossa idéia de alteridade, que diz respeito à nossa configuração a partir da interatividade, das trocas simbólicas. Imagina um ser sozinho numa ilha, sem ter com quem interagir por toda uma vida. Que noção terá ele de si mesmo? Sem ter um semelhante em quem se espelhar, colocaria em outro "objeto" sua fantasia sobre si mesmo - daí a lenda dos meninos-lobo, criados por animais e que passam a agir como eles.
Se o outro é tão importante pro ser humano enquanto espécie, e talvez assim o seja para outros animais, por que estranharmos e negarmos esta influência que a opinião alheia nos impõe? Talvez o que nos incomode seja não o que o outro vê, mas sim o que nós vemos de nós mesmos a partir do olhar do outro. Complicado? Pode ser, mas explico. Não sabemos muito a nosso próprio respeito, esta é a verdade. O pouco que sabemos, temos acesso através de signos os mais diversos - nossas atitudes, nossos pensamentos, produção artística, trabalho. Mas, todas estas manifestações são ainda insuficientes pra nos contar sobre quem realmente somos. Quando convivemos com outras pessoas, temos acesso ao "eu" que só pelo olhar do outro nos é acessível. Óbvio que nao está ali nosso tudo, até porque este é impossível de ser alcançado, por mais terapia que se faça ao longo da vida.
O processo de auto-conhecimento é árduo, e é o amadurecimento que nos vai tornando mais seletivos, exigentes, convictos ou não do que queremos e gostamos. Observar com olhos críticos como somos vistos faz parte deste crescimento pessoal. O que não pode acontecer é nos tornarmos escravos da opinião alheia, vivendo para agradar, para corresponder às expectativas de outrem. Pessoalmente, fico irritada quando me pego cometendo auto-reprovação, auto-opressão apenas por não gostar da idéia de ser julgada. Deixar de fazer algo que me faria bem, que me daria satisfação, apenas porque os outros (não quaisquer outros, mas outros significativos pra mim) não iriam aprovar, é uma coisa que me traz muito desconforto. Por que faço isto? Imagino que o porquê seja um receio inconsciente de deparar com minha própria essência. Afinal, não apenas "somos", nós também forjamos um "ser", um personagem que vemos como nosso "eu" ideal. Quando nos pegamos apenas "sendo", livres de nosso censor interno, automaticamente nos repreendemos, porque estamos nos avaliando pelo olhar dos outros, pela opinião deles. Não seria mais simples apenas "ser"? Bom, seja lá como for, tudo isto faz parte de nossa condição de ser humano. Como diria Nietzsche, "humano, demasiado humano"...