terça-feira, 29 de setembro de 2009

Trabalho, trabalho, trabalho

A Revista Época desta semana traz uma reportagem sobre o crescimento do espaço ocupado pelo trabalho na vida das pessoas, hoje, em comparação com outras épocas. Ao fazer uma leitura dinâmica da matéria, fiquei pensando em algumas coisas que agora partilho aqui no blog.
Claro que trata-se de um fato muito relativo, pois a ligação que temos com o trabalho depende de muitos fatores sociais, individuais, ligados à questão econômica, ao tipo de atividade desenvolvida, à região em que se atua, etc. Mas, o que dá para dizer genericamente é que existe hoje uma cultura da ocupação full time.
Até algumas décadas atrás o pensamento predominante na sociedade dava ao trabalho uma outra conotação. Era a atividade ligada à ideia de "ganha-pão" simplesmente, onde se cumpria um determinado número de horas e a partir do qual se conquistava um lugar na comunidade. O que importava era ser pontual, cumprir todas as regras, ter uma ficha limpa. As pessoas entravam para uma empresa ou repartição pública e ali ficavam anos a fio, até a aposentadoria, tendo neste estilo de vida um modo exemplar de sucesso.
Foi-se o tempo em que uma bonita carteira de trabalho era aquela sem rasuras, quer dizer, sem mudanças de trajetória, com duradouras carreiras de uma só corporação. Hoje, um profissional com este perfil pode até se contar feliz, mas está, digamos, fora de moda. A tendência de sucesso hoje envolve o dinamismo, a mudança, o deslocamento. Um profissional bem-sucedido é aquele que é disputado pelo mercado, que muda de posição e de empresa, que arrisca e que vai além de suas atribuições.
Hoje, o trabalho não tem hora para terminar, muitas vezes nem para começar. O que vale não é quanto se fica na empresa, mas os resultados que se atinge. Esse profissional precisa estar antenado com o mundo, com seu tempo,e isto lhe rouba tempo e dedicação. Até suas horas de lazer, hoje, são relacionadas a atividades que exigem esforço intelectual (trabalho?)
As pessoas ficam em casa na internet agregando informações à suas atividades do dia a dia, respondendo emails de clientes ou fornecedores, procurando textos e programas que lhe ajudem no trabalho, horas nas redes sociais trocando ideias sobre seus projetos. Não há mais um horário destinado para o lazer. Ou melhor, o lazer está cada vez mais com cara de trabalho. Sem falar no celular, que nos tornou disponíveis 24 horas por dia, em qualquer lugar.
Hoje, não conseguimos ficar contemplativos diante do silêncio, ou diante de uma obra de arte, ou brincando com nossos filhos por muito tempo. Até dormir se tornou uma atividade obrigatória, ao invés de ser uma etapa prazerosa do dia. A gente dorme porque o corpo não aguenta, porque o dia está cada vez menor para tantas coisas que gostaríamos de fazer ou que teríamos que fazer mas não dá por falta de tempo.
Ao pensar nessa questão do nosso envolvimento cada vez maior com coisas ligadas ao lado profissional, relacionei imediatamente o assunto ao que discute o autor Jeff Howe no livro O Poder das Multidões. Utilizando o conceito de crowdsourcing, o editor da Revista americana Wired (a mesma do Chris Anderson) aborda a interessante temática desta cultura colaborativa e descentralizadora que tomou o mundo dos negócios, incluindo do entretenimento e do jornalismo. Uma de suas observações diz respeito ao número impressionante de pessoas consideradas "amadoras" que estão ajudando empresas das mais diversas áreas a diversificar seus produtos. São muitas vezes profissionais que atuam em determinados setores, que possuem até uma formação formal, mas que atuam como amadores em descobertas científicas, por exemplo. Algumas ganham dinheiro com isso, outras o fazem por outros motivos.
O que quero dizer é que tudo isto parece fazer parte desta mesma lógica que nos faz trabalhar mais e mais a cada dia. Mesmo quando não é por dinheiro, estamos virando trabalhadores quase 24 horas por dia. Dá saudade daquele tempo em que se podia passar horas sem fazer nada, sem pensar em nada, apenas sentindo a vida passar...

3 comentários:

Lusinha disse...

E como dá saudade!
Bjitos!

João Baptista Lago disse...

O trabalho é gostoso e vale realmente a pena, quando não é alienado: quando, em larga medida, é você quem o controla e não "ele", que controla você. Quando está em conssonância com nosso desejo e prazer, quando é criativo. Por outro lado é um Inferno, quando sua única razão de ser é ganhar $$, mesmo que seja um trabalho muito bem pago. E quando, em tais circunstâncias, a gente faz - e engole - coisas que a gente não gosta, quando são os outros (e não nós) que determinam o modo como nosso trabalho deve ser realizado. Claro, não existe uma autonomia absoluta e, até certo grau, a gente é escravo do trabalho, qualquer trabalho por mais atraente e gostoso que seja tem momentos que não são agradáveis, etc. Nesse sentido, usando um pouco o bom-senso, um trabalho legal é aquele em que a quantidade de criatividade, prazer e autonomia, é significativamente maior que o quantum de sofrimento. Isso é válido tanto para o trabalho na concepção tradicional, quanto para o trabalho como é feito hoje. E em ambos os casos a gente tem que ter poder, palavra que é um verbo que se conjuga "eu posso, tu podes, ele pode...". Se a gente tem poder, a gente *pode* trabalhar de um jeito gostoso. Se a gente não tem poder e somos portanto im-potentes, trabalhar é uma coisa horrível. Ser à imagem de Deus Todo-Poderoso é ser poderoso(a). É trabalhar fazendo as coisas no mundo à nossa imagem e semelhança, sendo senhores do nosso próprio processo de trabalho.

Pr. Cláudio Moreira disse...

não pude deixar de me comover com seu texto, como workaholic militante e incurável.

Acertou em cheio novamente!