quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Tem que ter CNPJ para protestar?

A cobertura da imprensa do Estado na ocupação - ou invasão (a palavra aqui depende do ponto-de-vista ideológico de quem analisa) do prédio da Corlac em Porto Alegre nesta quarta-feira, levanta algumas reflexões importantes. No Jornal do Almoço foi dada cobertura ao vivo, com direito a imagens aéreas. O tom de voz da Cristina Ranzolin já direcionava a leitura. O discurso deixa clara a opinião do veículo. É como se dissesse: "vejam que absurdo, esta gente invade um prédio público, o que é ilegal, leva crianças junto, e ainda atrapalha o trânsito". Como profissional da imprensa, cidadã e alguém que gosta de se debruçar sobre questões sociais, ainda mais sobre a mídia, imediatamente tento ver "o outro lado" do que é contado. Não sou filiada a partido, não milito em qualquer agremiação, mas tenho opinião, sim. Mas tento exercitar ao máximo uma visão relativista da vida, pra não perder a chance de aprender com quem pensa diferente de mim.
O que me ocorreu ao ver as imagens do episódio da tevê foram muitas perguntas. Por que o Ministério Público, a Justiça, o Executivo Estadual se apressam em responsabilizar os adultos que colocam em situações inadequadas crianças e adolescentes quando há uma manifestação como essa? Estas crianças estão em más condições de saúde, dignidade, educação, segurança etc. o ano inteiro, e não só quando seus pais os levam pra um protesto. Por que a imprensa não questiona a falta de solução por parte do Estado para os problemas que aqueles manifestantes estão denunciando? Afinal, focar a discussão na ilegalidade do protesto, por incluir invasão de prédio público, é simplificar o debate, ajudar a acomodar as coisas e deixá-las como estão.
O prédio em questão está abandonado e ocioso há anos, o projeto das Frentes de Trabalho que os manifestantes reinvindicam está parado, e o movimento não usou de violência. A presença das crianças ainda reforça que o protesto tinha tudo para ser pacífico. Mas a Brigada, seguindo orientação do Governo ao certo, os tratou como criminosos levando mães e crianças para a Delegacia da Criança e do Adolescente. A imprensa, que deveria mostrar todos os lados, fomentar o debate, e dar voz a estes desempregados, fez o tema de casa ditado pelas fontes oficiais e mostrou o protesto como baderna urbana.
Enquanto isso, ninguém discute o que realmente tem de ser discutido. Ao provocar alguns amigos e colegas de trabalho sobre o fato, ouvi reproduções desse discurso dominante. Argumentos como "invasão não tem perdão", "esses movimentos não têm personalidade jurídica", etc, naõ me convencem. Se toda mobilização social precisar de CNPJ pra ter legitimidade, o mundo seria pior do que já é. As pessoas têm mais do que o direito, têm o dever cidadão de se opor ao que está errado, a reinvindicar - pacificamente, defendo - aquilo que desejam para que a comunidade viva em melhores condições.

Um comentário:

Pr. Cláudio Moreira disse...

Eu tinha certeza que este empreendimento daria certo.
Luciana, sempre com linguagem escorreita, suave e profunda ao mesmo tempo.

Parabéns e siga em frente!

Cláudio Moreira