sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Ditadura das formas

Este culto à imagem, que tanto caracteriza nossa sociedade, empobrece demais a vida humana... Preenche o vazio de pessoas vazias e deixa um buraco imensurável na alma de quem pensa. Não é o caso de ser hipócrita ou agir como os iconoclastas, negando completamente o valor das formas e da beleza. Isto é da natureza humana, tanto que os padrões estéticos mudam, mas nunca deixam de existir critérios pra definir o que é belo, e valorizá-lo. O que não podemos deixar de exercitar é nossa capacidade de relativizar o meio no qual vivemos, sob pena de nos tornarmos criaturas alienadas, robôs, marionetes. É saudável buscarmos beleza, sermos atraentes, nos sentirmos bem com nossa própria imagem. Afinal, construímos nossa identidade conforme o olhar do outro, e a auto-estima é um aspecto importante da saúde, inclusive. Doentia é a obsessão pelas formas perfeitas - doenças como anorexia, bulimia e outros transtornos alimentares aí estão para confirmar.
Fiquei sabendo de uma menina de apenas 11 anos, e não é filha de alguma celebridade do mundo da moda ou do showbizz, mas uma criança comum daqui mesmo, de São Gabriel, que foi diagnosticada anoréxica. Não come para não engordar, acha-se sempre acima do peso, tem uma imagem distorcida de seu próprio corpo. Ela é mais uma vítima deste nosso mundinho em que coabitam Barbie Girls e Mc Donald's. De um lado, um apelo exagerado ao corpo perfeito; de outro, a promessa de felicidade em forma de fast food. Como evitar que estas patologias, do corpo e da mente - e aqui a dualidade que há séculos nos fragmenta é proposital - atinja cada vez mais cedo nossas meninas (sim, porque os homens ainda resistem melhor aos apelos da imagem, lidam melhor com a "feiúra")? Como uma criança poderá ter equilíbrio para adotar o bom senso numa escolha destas? Nem querer ser igual a Barbie, tampouco exagerar na gordura trans... Educação em casa, na escola, na turma.
Vi em uma livraria um exemplo muito interessante de iniciativa para ajudar a educar nossas crianças. Em Porto Alegre, dentro de um shopping - o local não poderia ser mais irônico - uma grande livraria desenvolve um projeto de contação de histórias para incentivar os freqüentadores mirins a ler - e comprar livros desde cedo. O que poderia ser apenas uma tática marketeira também acaba servindo de momento filosófico, pedagógico, educativo. Ao interpretar uma história de amor para a criançada, a contadora levou-os a questionar os padrões de beleza atuais. Fiquei espantada ao ver que de um grupinho de umas seis crianças, apenas duas acharam que o mocinho NÃO deveria deixar a namorada APENAS porque ela engordou. Lição negativa: o ideal de magreza está na cabecinha de nossas crianças como uma verdade. O positivo: A contadora os fez pensar, questionou a máxima segundo a qual o amor se baseia apenas nas aparências. Nada de incentivar a obesidade, que faz mal a saúde, mas deixar que as futuras gerações continuem reproduzindo essa ditadura que faz doentes meninas tão jovens, incapazes de ter uma auto-estima em dia, seria uma irresponsabilidade muito grande.

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