quinta-feira, 23 de abril de 2009

Wolton, Internet e os intermediários

Estive lendo alguns capítulos do livro do francês Dominique Wolton "E depois da Internet?", que é lá do comecinho dos anos 2000. A leitura faz parte da bibliografia de uma disciplina do Mestrado em Comunicação em que discutimos as mudanças culturais, sociais e tecnológicas dos últimos anos por conta da cibercultura e as transformações nas categorias de espaço e tempo que experimentamos. Já tinha ouvido falar da obra e do autor, inclusive assisti uma palestra dele sobre sua discussão a respeito da Internet, em evento na PUC-RS, em Porto Alegre, em 2001. Na época o assunto não me interessava tanto como hoje, e minha bagagem intelectual sobre o tema era muito restrita, portanto comecei a leitura agora para a Pós com uma curiosidade maior.
Confesso que não era bem o que esperava. Sabia do teor bastante crítico de Wolton com relação à Internet, e penso que é importante termos contato com autores de opiniões diversas para formarmos uma opinião mais fundamentada. Temos lido muitos autores bastante otimistas com relação as transformações positivas possibilitadas pelas novas tecnologias. Claro que mesmo os mais otimistas levam em conta que a tecnologia por si só não produz mudanças, e que os benefícios também dependem dos usos e do contexto social. Mas, enxergam que principalmente a Internet é responsável hoje por uma mudança no estatuto da recepção - se com os meios de comunicação de massa (tv, rádio), tínhamos um pólo fixo de emissão que dirige suas mensagens aos destinatários, com a rede o pólo da emissão dilui-se, todos podem ser emissores e receptores ao mesmo tempo.
Wolton bate muito na tecla de que a internet não estaria trazendo grande mudança, mas é importante ter em mente que ele escreveu essa obra no começo da década, e de lá pra cá muita coisa mudou. Para ele, quando enxergamos na Internet um novo espaço de exercício da democracia, estamos equivocados. Discordo de muitas de suas colocações, e não cabe aqui fazer o contraponto. O que me chama atenção e que pretendo utilizar como ponto de partida pra um questionamento que devo levar pra meu trabalho de pesquisa, é a valorização que ele propõe para os intermediadores. Na Internet, todo mundo tem acesso a tudo, em termos de informação. Mas, para que o conhecimento no sentido estrito seja construído, é preciso haver competência. Como a maioria não tem bagagem cultural para construir seu próprio conhecimento diante de um universo infinito de informações, cada vez mais seria necessária a presença da mediação. Quer dizer, ele dá uma esperança aos jornalistas, entendendo que o profissional, ao invés de perder legitimidade - como temos tanto nos questionado, ganharia um novo status, junto com outras categorias hoje postas em dúvida, como professores e outros. Não sei se haverá espaço para nós nesse novo mundo que está surgindo, mas das duas uma: ou seremos extintos de vez ou ganharemos um novo estatuto, ainda mais importante. Achei o Wolton bem chato, repetitivo e me deu até a impressão de que ele ganhou algum do governo francês pra defender a tv (que por lá é pública), como se esta fosse realmente ameaçada pela internet. Mas, esse aspecto de sua discussão me interessou especialmente. Alguém tinha que achar uma utilidade para os "mediadores" em um mundo em que o acesso à informação parece necessitar cada vez menos de intermediários.

4 comentários:

Marcelo De Franceschi disse...

li. gostei muito. por favor continue.
abração.

João Baptista Lago disse...

Oi, Luciana: não tive a paciência que você teve pra ler o Wolton mas, pelo teu relato, ele parece refletir um questionamento que também era feito por outros autores, na mesma época em que publicou seu livro. Esses autores questionavam se era válido, para a sociedade (francesa), continuar mergulhada em sua já elevada mediatização. Ah, sim: Wolton não recebeu "algum", não, porém... encontrava-se à frente da então poderosa Comission de la Francophonie, cuja incumbência maior terminou sendo a de expurgar e proibir com mãos de ferro o uso de termos técnicos em inglês, no campo da Ciência e Tecnologia (e não, ficar implicando com os cardápios do McDonalds, como faz o Aldo Rebelo): se deres uma espiada num artigo acadêmico de Informática redigido em francês, não vais ver palavras exóticas como "byte" ou "software", porém outras, inspiradas no latim e no grego. Sua desqualificação à internet (leia-se: protocolo http:// e não, protocolo minitel://) como fonte de informações, no entanto, não refletiria apenas uma posição pessoal, porém um dado de realidade da época: através do Minitel, desde 1982 os franceses com uma linha telefônica dispunham de um computador em casa (emprestado pela operadora de telefonia) através do qual consultavam catálogos telefônicos, acessavam agências de notícias, recebiam e enviavam e-mails, liam seus extratos bancários, batiam papo em salas de chat, etc. Esse tipo de serviço chegou a existir nos EUA, Canadá, Inglaterra e mesmo em São Paulo através do "Videotexto" da então Telesp, mas, em todos esses lugares, foi um fracasso comercial. Na França, entretanto, o Minitel chegou a estar presente em 40% dos lares. Deste modo, quando o protocolo "http://" chegou lá juntamente com seu "www", veio com gosto de coisa velha. Assim o Minitel, se de um lado fez da França o primeiro país do mundo a implementar uma internet pré-www de massa, ao mesmo tempo é considerado como o principal fator que teria contribuído para que a internet (www) tenha levado tantos anos, por lá, para se estabelecer: quando o Wolton publicou seu livro em 2.000, por exemplo, a internet brasileira já se encontrava a um milhão de anos-luz na frente da internet francesa, que ainda engatinhava na Idade da Pedra - não possuía a importância que possui hoje em dia, enquanto instrumento difusor de informações.

A cereja do bolo do teu post, no entanto, é a questão do papel dos mediadores e/ou intermediários: não vivemos mais numa sociedade DE massas, com poucos produzindo conteúdo centralizadamente para muitos, mas numa sociedade DAS massas, com muitos produzindo conteúdos descentralizadamente. Nesse contexto acho importante o papel dos [inter] mediadores, porque há muita informação e o dia, enquanto isso, tem apenas 24 horas. Tirando fora as 8 que a gente usa pra dormir, mais que isso pra trabalhar e outras tantas pra cuidar da casa, não sobra lá muito tempo pra ficar garimpando informação: então a gente recorre a um intermediário, que no meu caso pessoal são os dois jornais que assino, a Folha e o Estadão. Isso tem um preço: o fato inicial que gerou a informação, nestas alturas do campeonato, já foi de tal modo elaborado pelos intermediários, que, quando chega servido à nossa mesa, vem sem o seu sabor original, quando ainda era informação em estado bruto - ainda não-editada, ainda não distorcida pela ação dos intermediários. Pessoalmente, gosto de um "mix" representado, hoje, pela possibilidade de você poder consumir uma informação "tratada" produzida pelos intermediários, quando estou sem tempo para garimpá-la. Mas dispor ao mesmo tempo da possibilidade de usar recursos como por exemplo o Twitter, para checar determinadas informações ainda num estado bruto.

Luciana Carvalho disse...

Obrigada, Marcelo, e muito obrigada pela excelente contribuição, João. Sabes que, ainda hoje pela manhã, quando debatemos o Wolton em aula, no Mestrado, a professora Luciana Mielniczuk me falava sobre esse lance do Minitel e do quanto essa tecnologia teve implicações para a chegada da internet na França e, obviamente, na elaboração teórica de autores como Wolton.
Quanto a questão dos intermediários, concordo contigo.
Valeu pela participação aqui no espaço.

de mau humor disse...

Tenho dúvidas sobre esta importância que tu dás à intermediação, aos mediadores. Não sei se a tendência será de valorização dos mediadores. Parece-me que não. A rede é imensa, sim, informações em abundância. Mas para onde ir quando se abre o navegador?
Se esta mediação for representada pelos espaços cada vez mais independentes que os jornalistas vem constituindo na rede, então acho que ela pode progredir. Do contrário, se mediar é apenas criar sites de notícias oficiais, com a mesma versão dos meios tradicionais, prefiro que não exista mediação. Mediação pela pluralidade de vozes e não pela reprodução.